Uma nova lei que amplia a proteção a mulheres e pessoas vulneráveis e inclui o estupro coletivo e “corretivo” como causas de aumento de pena foi sancionada pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), enquanto exercia a Presidência da República, nesta segunda-feira (24) devido à viagem do presidente Michel Temer ao exterior. A lei, aprovada pelo Congresso Nacional, altera o Código Penal e tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro.

A lei, de autoria da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB), estabelece o crime de importunação pessoal, que consiste em “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A lei inclui também o crime de divulgação de fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual “que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza à sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”. Para ambos os crimes, a pena prevista é de reclusão de um a cinco anos, se o ato não constitui crime mais grave.

“Precisamos que nossas leis penais acompanhem o avanço da tecnologia e da comunicação. Vivemos uma era em que reputações são arrasadas ao mero clique do botão de um celular”, disse Toffoli. De acordo com o ministro, embora ainda perdure uma distância grande entre os textos normativos e a vida concreta, isso não quer dizer que deve cessar o trabalho de aprimorar sempre o ordenamento jurídico. “O direito pode ser sim instrumento de alteração da realidade, para torná-la melhor e mais justa. Aliás essa é a sua missão maior imposta pela nossa Constituição Cidadã de 1988”.

A norma inclui também o aumento de pena, de um terço a dois terços, se o crime sexual é estupro coletivo – mediante concurso de duas ou mais pessoas – ou o chamado “estupro corretivo”, que em algumas comunidades seria aplicado, por exemplo, pelo marido para “punir a traição do cônjuge”.

“A pauta da não violência principalmente contra a mulher tem que ser defendida por todos e vai ao encontro de toda evolução legislativa que a bancada feminina tem feito no Congresso”, disse o ministro dos Direitos Humanos, Gustavo Rocha, presente à solenidade.

Estatísticas

Conforme a Lei 12.015, de 2009, que alterou trechos do Código Penal, quando o ato libidinoso ou a conjunção carnal é praticado com menor de 14 anos, o fato é considerado estupro de vulnerável, independentemente da alegação de consentimento da vítima – ou seja, presume-se que toda vítima menor de 14 anos é vulnerável. Também são consideradas vulneráveis pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenham o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possam oferecer resistência.

Em 2017, 48.728 processos ingressaram na Justiça de todo o País envolvendo o crime de estupro de vulnerável, de acordo com o banco de dados do Relatório Justiça em Números, divulgado anualmente pelo CNJ e que reúne informações de 90 tribunais.

O banco de dados, principal fonte das estatísticas oficiais da Justiça desde 2004, apresenta um detalhamento da estrutura e litigiosidade do Poder Judiciário, além dos indicadores e das análises essenciais para subsidiar a Gestão Judiciária brasileira, como o Relatório Justiça em Números 2018.

O número informado pelos tribunais ao CNJ demonstra apenas uma parte da realidade, já que há oscilações nos diferentes Estados, quanto à padronização ao classificar os processos por assunto. Isso significa que, em alguns casos, pode haver subnotificação ou mesmo duplicação no registro destes processos pelos tribunais. Além disso, um mesmo réu pode responder por mais de um processo de estupro na Justiça, bem como um processo pode envolver mais de uma vítima e mais de um assunto, como é o caso, por exemplo, de um estupro de mais de uma pessoa, sendo uma delas considerada vulnerável e, outra, não.

As edições passadas do Justiça em Números demonstram que, em 2015, incluindo os processos classificados como “estupro de vulnerável” e aqueles classificados somente como “estupro”, foram 67.215 casos novos – 36.876 e 24.339, respectivamente – e, em 2016, foram 71.297 – 38.341 e 32.956. Já em 2017, o número foi de 83.827, incluindo 35.099 casos de estupro.

O crime de estupro está previsto no artigo 213 do Código Penal, que o define como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. O código prevê penas que variam de seis anos a dez de prisão, que podem ser agravadas caso o crime resulte em morte, lesões corporais graves ou seja praticado contra adolescentes de 14 a 18 anos incompletos. O crime chega à Justiça por meio de denúncia feita pelo Ministério Público, na proposição de uma ação penal.

O banco de dados do Relatório Justiça em Números também aponta que, entre os adolescentes que cometeram atos infracionais, houve 4.286 novos casos na Justiça envolvendo estupros de vulnerável, e 5.080 processos sobre estupros cometidos por adolescentes contra pessoas consideradas não-vulneráveis.

De acordo com a promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, da 2ª Promotoria da Infância e Juventude de Curitiba, do Ministério Público do Estado do Paraná, os casos de estupro de crianças costumam vir a conhecimento principalmente por meio de pessoas da escola da criança, como professoras, com quem elas criam confiança para contar algo que seria visto como vergonhoso – as escolas repassam ao conselho tutelar ou ao ministério público. “A família não raras vezes ‘abafa’ o caso, mães optam por não ver o que está ocorrendo e são comuns casos de mães que toleram crimes sexuais praticados por seus companheiros contra suas filhas”, diz a promotora.

Leia na íntegra: Lei 13.718/2018